“Não compartilho meus pensamentos achando que vou mudar a cabeça de pessoas que pensam diferentemente. Compartilho meus pensamentos para mostrar às pessoas que já pensam como eu, que elas não estão sozinhas.” (autor não identificado)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Três anos sem Fausto Wolff

Hoje são passados três anos desde que o autor de "O Acrobata Pede Desculpas e Cai" nos deixou. Talvez tenha sido Fausto Wolff o mais legítimo dos socialistas nascidos por aqui, em todos os tempos.
Classificá-lo como homem de esquerda, comunista, soa incompleto, vago demais. O socialismo puro, essencial, brotava de cada linha escrita pelo Lobo e seu pensamento livre sempre açoitava os coercivos, os ladravazes, os ignavos e toda canalha que espolia o país.
Em um dos mais expressivos textos para sua coluna do Jornal do Brasil, escreveu: “Já escrevi em algum lugar que, enquanto não nos revoltarmos contra o conceito de democracia que considera sagrado o direito de uma minoria escravizar o resto, jamais chegaremos à condição de seres humanos” e ainda “Enquanto não se der a revolução da humanidade contra a tirania, enquanto deixarmos que nos humilhem para que possamos continuar vivendo, teremos de suportar algumas imperfeições, certos espinhos colocados em nossos sapatos ainda na infância que não podemos ou não queremos tirar".
Certa vez, talvez tenha sido mesmo no dia do lançamento de O Pacto de Wolffembüttel e a Recriação do Homem, ouvi dele a frase “há que se indignar...” e essa indignação sublime sempre marcou, de forma indelével, seu ideário socialista.
Antes que algum afoito dê aquele sorriso irônico, lagarteado, e questione – Sim, mas afinal o que esse cara construiu? Fez alguma escola, um hospital, uma pracinha talvez num subúrbio remoto? – eu me antecipo e já respondo: Sua grande obra foi o seu pensamento.
Nestes tempos em que vemos a classe política tão suja, debatendo-se num terreno charcoso com nauseantes emanações sulfídricas, o butim que nela se consuma e a velha cara-de-pau das aves de rapina, cai como uma luva, para reflexão de todos a poesia que integra a parte I de A Recriação do Homem.

Digo para a minha filhinha:
Aque senhor bem-vestido
Dentro do Mercedes cinza,
Ao lado da moça loura
Só hoje, com muita calma
Assassinou mais de
Quinhentas crianças,
Exterminou mais de
Trezentos velhinhos,
Levou ao suicídio
Cinqüenta pais de família,
Isso, pela manhã.
À tarde prostituiu mais de
Duzentas mocinhas,
Transformou em criminosos
Quatrocentos operários;
Expulsou de suas terras
Quase mil agricultores.
Antes de encerrar o expediente
Deu entrevista coletiva,
Enfatizando a necessidade
De moralizar o país.

Aquele senhor elegante,
Barriga proeminente
E sorriso irresponsável
Para fazer tudo isso
Ganha um alto salário
Pago por todos nós.
É nosso representante
No Congresso nacional.
Não tem alma
Nem escrúpulos,
Não sabe o que é caráter,
Nunca derramou uma lágrima.
Este monstro nós criamos
Em nome da democracia
Para nos tiranizar.
Esta é a tradição
Da nossa tribo
Que ama os seus algozes.
Castigo de um Deus Comediante
Que nos deu como modelo
Justamente o opressor,
Aquele filho-da-puta
Que todos almejam ser.

Mata-lo não adianta,
Pois tem filhos, netos, capangas
Que depois de se vingarem
Seu trabalho continuarão.
– Que pesadelo terrível,
Este que estás contando –
Exclama a minha filhinha.
Os porcos comandam o mundo
E não há nada a fazer
Senão ganhar um diploma e
Em porcos nos transformarmos.
Aquela água clarinha,
Do lago cor de cristal,
Ninguém quer,
Para nada presta
É o lugar onde o sistema
Põe os loucos para delirar.
O sonho de liberdade
Custa a alma e causa dor.
Transforma o poeta socialista
Num porquinho ditador.

Nada mais apropriado para a ocasião.

Ainda em homenagem ao nosso Lobo, relembro, como registro da mágica pena do mestre, um delicioso fragmento do texto da sua coluna de 3 de julho, escrita cinco dias antes de Fausto Wolff completar 68 anos.

Apocalipse depois dos comerciais!

Num dos mais belos contos do escritor menor Somerset Maugham – Encontro em Samarrah – um pobre homem vê a Morte num mercado onde fora vender alguns tapetes para seu patrão. Apavorado, ele corre à loja do mercador para quem trabalha e pede-lhe um cavalo.
– Por quê? Pergunta o empregador.
E o homem:
– Por que eu via Morte na feira e quero esconder-me dela.Vou refugiar-me em Samarrah, onde ela não me achará.
Algumas horas depois a Morte passa pela loja do tapeceiro e lhe pergunta pelo empregado.
– Ele teve que fazer uma viagem.
A Morte respira aliviada e diz:
– Ainda bem. Achei estranho encontrá-lo na feira hoje de manhã, uma vez que tenho um encontro com ele às seis da tarde em Samarrah.
Samarrah é uma das cidades mais antigas do mundo e uma das mais belas do Iraque. A Unesco acaba de declará-la ameaçada como patrimônio da humanidade. Desde o soldado até o mais graduado oficial, todos roubaram alguma obra de arte em Samarrah, que hoje está na casa de algum rico colecionador. Finalmente, a Morte saiu da ficção e entrou em Samarrah dentro de uma farda do exército do Tio Sam.